terça-feira, 17 de agosto de 2010

Pesquisadores buscam devendar mecanismo que deflagra a dependência química.

Dois novos estudos descobrem como proteínas e neurotransmissores funcionam ao entrar em contato com a cocaína.

A descoberta de como a cocaína age no cérebro e desencadeia os mecanismos do vício pode levar ao desenvolvimento de terapias eficazes no combate à dependência química. Novos estudos publicados neste mês por cientistas americanos descrevem o comportamento de proteínas e neurotransmissores (1) quando entram em contato com a substância. As pesquisas sugerem abordagens promissoras para combater os efeitos maléficos de uma droga que afeta 14 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com as Nações Unidas.

Uma das pesquisas, publicada no periódico científico Neuropsychopharmacology, identificou uma reação química no cérebro de dependentes, diferente daquela observada em pessoas saudáveis. “Nós descobrimos que o fluxo sanguíneo nas áreas cerebrais envolvidas com os efeitos de recompensa e de vontade provocados pela cocaína é diferente nos dependentes. Agora, temos um foco para uma intervenção farmacológica”, disse ao Correio Bryon Adinoff, professor de psiquiatria da Universidade do Texas (UT) e principal autor do estudo, do qual também participou o professor de radiologia da UT Michael Devous.

A pesquisa foi feita com 22 pessoas saudáveis e 23 dependentes de cocaína que estavam abstêmios — em períodos que variavam entre uma e seis semanas. Os dois grupos receberam, durante dois dias, uma injeção de escopolamina e fisostigmina, substâncias seguras que agem nos receptores da acetilcolina, um neurotransmissor liberado pelo sistema nervoso central quando o corpo necessita ser estimulado. No terceiro dia, os voluntários receberam uma nova injeção — dessa vez, de uma solução com água e sais minerais. Seus cérebros foram escaneados por meio de uma tomografia computadorizada, que investigou o fluxo sanguíneo na região límbica, onde se concentram as emoções humanas.

“É um sistema bastante complicado”, diz Adinoff. “A ideia era provocar alguma reação. Não sabíamos se ficaria mais ou menos ativo, só queríamos saber se haveria alguma mudança.” Tanto a escopolamina quanto a fisostigmina são substâncias que induzem mudanças no fluxo sanguíneo nas regiões límbicas, mas o padrão mostrou-se diferente nos dependentes químicos, quando comparados aos indivíduos saudáveis. Segundo Adinoff, uma das áreas mais afetadas foi o córtex do hipocampo, estrutura relacionada à formação de novas memórias, à navegação espacial e à regulação da resposta ao estresse.

De acordo com Adinoff, outros estudos já mostraram que essa parte do cérebro controla os fatores bioquímicos que fazem com que algumas pessoas necessitem usar mais cocaína do que outras. “Isso faz sentido. O córtex do hipocampo é uma região isolada com muitos receptores colinérgicos (neurotransmissor que libera a acetilcolina). A amígdala, que está relacionada com a sensação de vontade ou necessidade de se ter ou consumir alguma coisa, também foi afetada pelo estímulo do sistema colinérgico. Essas duas áreas do cérebro são relevantes porque são os locais onde as drogas desencadeiam os efeitos de vício. Então, talvez possamos inibir esse desejo de consumir a droga por meio de medicamentos que afetem esse sistema”, diz Adinoff.

Efeito “bumerangue”
Em outra pesquisa, publicada na revista científica Biological Psychiatry, o foco foi o glutamato, principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso, relacionado a habilidades como o aprendizado e a memória. Atualmente, os receptores de glutamato (mGluRs) são considerados um alvo importante para descobertas sobre novos medicamentos que tratem distúrbios neurológicos e psiquiátricos, incluindo a dependência química.

Os cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, nos Estados Unidos, investigaram se a desregulação na função dos mGluRs é um fator que estimula o autoconsumo de cocaína por ratos de laboratório. Eles descobriram que um aumento da ingestão da droga faz crescer os níveis de uma proteína chamada MeCP2 e, como em um efeito bumerangue, quanto maior a presença dessa substância no cérebro, mais necessidade os animais tiveram de consumir cocaína.

Ao mesmo tempo, quando o cérebro consegue balancear a recepção da MeCP2 e de uma molécula de proteínas chamada miRNA-212, a procura voluntária pela droga diminui — ao menos, entre os ratos. O que faz com que as estruturas cerebrais promovam esse balanço, porém, não foi determinado pelos pesquisadores e será alvo de um estudo futuro. “Essa pesquisa representa mais uma peça no quebra-cabeças que determina a vulnerabilidade à dependência da cocaína”, disse ao Correio Paul J. Kenny, um dos autores do estudo, publicado na Nature Neuroscience. “Se pudermos continuar a juntar as peças, talvez consigamos determinar se há um tratamento viável para a dependência.”

Essa foi a segunda vez no ano que pesquisadores do Instituto Scripps conseguiram identificar um fator determinante para a autoadministração de cocaína em roedores. Em julho, eles descreveram, na revista Nature, o papel que a molécula miRNA-212 desempenha na diminuição do desejo de consumir a droga. “No futuro, pode ser possível desenvolver uma pequena molécula que imite ou estimule a produção do microRNA. Uma vez que entendemos o mecanismo, podemos descobrir novos alvos que teriam um efeito similar diretamente sobre o microRNA”, afirma Kenny.

1 - Troca de informações
Produzidos pelas células nervosas, os neurotransmissores são substâncias químicas que enviam informações a outras células do organismo. A ciência já identificou cerca de 60 neurotransmissores, sendo que cada um deles tem um efeito diferente, dependendo de onde está localizado e da forma como é ativado. A acetilcolina, investigada no estudo, é uma das principais substâncias produzidas pelos neurônios, pois está associada a diferentes funções, como memória e aprendizado.


Fonte:Correio Brasiliense.
Por:Paloma Oliveto


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Dois novos estudos descobrem como proteínas e neurotransmissores funcionam ao entrar em contato com a cocaína.

A descoberta de como a cocaína age no cérebro e desencadeia os mecanismos do vício pode levar ao desenvolvimento de terapias eficazes no combate à dependência química. Novos estudos publicados neste mês por cientistas americanos descrevem o comportamento de proteínas e neurotransmissores (1) quando entram em contato com a substância. As pesquisas sugerem abordagens promissoras para combater os efeitos maléficos de uma droga que afeta 14 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com as Nações Unidas.

Uma das pesquisas, publicada no periódico científico Neuropsychopharmacology, identificou uma reação química no cérebro de dependentes, diferente daquela observada em pessoas saudáveis. “Nós descobrimos que o fluxo sanguíneo nas áreas cerebrais envolvidas com os efeitos de recompensa e de vontade provocados pela cocaína é diferente nos dependentes. Agora, temos um foco para uma intervenção farmacológica”, disse ao Correio Bryon Adinoff, professor de psiquiatria da Universidade do Texas (UT) e principal autor do estudo, do qual também participou o professor de radiologia da UT Michael Devous.

A pesquisa foi feita com 22 pessoas saudáveis e 23 dependentes de cocaína que estavam abstêmios — em períodos que variavam entre uma e seis semanas. Os dois grupos receberam, durante dois dias, uma injeção de escopolamina e fisostigmina, substâncias seguras que agem nos receptores da acetilcolina, um neurotransmissor liberado pelo sistema nervoso central quando o corpo necessita ser estimulado. No terceiro dia, os voluntários receberam uma nova injeção — dessa vez, de uma solução com água e sais minerais. Seus cérebros foram escaneados por meio de uma tomografia computadorizada, que investigou o fluxo sanguíneo na região límbica, onde se concentram as emoções humanas.

“É um sistema bastante complicado”, diz Adinoff. “A ideia era provocar alguma reação. Não sabíamos se ficaria mais ou menos ativo, só queríamos saber se haveria alguma mudança.” Tanto a escopolamina quanto a fisostigmina são substâncias que induzem mudanças no fluxo sanguíneo nas regiões límbicas, mas o padrão mostrou-se diferente nos dependentes químicos, quando comparados aos indivíduos saudáveis. Segundo Adinoff, uma das áreas mais afetadas foi o córtex do hipocampo, estrutura relacionada à formação de novas memórias, à navegação espacial e à regulação da resposta ao estresse.

De acordo com Adinoff, outros estudos já mostraram que essa parte do cérebro controla os fatores bioquímicos que fazem com que algumas pessoas necessitem usar mais cocaína do que outras. “Isso faz sentido. O córtex do hipocampo é uma região isolada com muitos receptores colinérgicos (neurotransmissor que libera a acetilcolina). A amígdala, que está relacionada com a sensação de vontade ou necessidade de se ter ou consumir alguma coisa, também foi afetada pelo estímulo do sistema colinérgico. Essas duas áreas do cérebro são relevantes porque são os locais onde as drogas desencadeiam os efeitos de vício. Então, talvez possamos inibir esse desejo de consumir a droga por meio de medicamentos que afetem esse sistema”, diz Adinoff.

Efeito “bumerangue”
Em outra pesquisa, publicada na revista científica Biological Psychiatry, o foco foi o glutamato, principal neurotransmissor excitatório do sistema nervoso, relacionado a habilidades como o aprendizado e a memória. Atualmente, os receptores de glutamato (mGluRs) são considerados um alvo importante para descobertas sobre novos medicamentos que tratem distúrbios neurológicos e psiquiátricos, incluindo a dependência química.

Os cientistas do Instituto de Pesquisa Scripps, nos Estados Unidos, investigaram se a desregulação na função dos mGluRs é um fator que estimula o autoconsumo de cocaína por ratos de laboratório. Eles descobriram que um aumento da ingestão da droga faz crescer os níveis de uma proteína chamada MeCP2 e, como em um efeito bumerangue, quanto maior a presença dessa substância no cérebro, mais necessidade os animais tiveram de consumir cocaína.

Ao mesmo tempo, quando o cérebro consegue balancear a recepção da MeCP2 e de uma molécula de proteínas chamada miRNA-212, a procura voluntária pela droga diminui — ao menos, entre os ratos. O que faz com que as estruturas cerebrais promovam esse balanço, porém, não foi determinado pelos pesquisadores e será alvo de um estudo futuro. “Essa pesquisa representa mais uma peça no quebra-cabeças que determina a vulnerabilidade à dependência da cocaína”, disse ao Correio Paul J. Kenny, um dos autores do estudo, publicado na Nature Neuroscience. “Se pudermos continuar a juntar as peças, talvez consigamos determinar se há um tratamento viável para a dependência.”

Essa foi a segunda vez no ano que pesquisadores do Instituto Scripps conseguiram identificar um fator determinante para a autoadministração de cocaína em roedores. Em julho, eles descreveram, na revista Nature, o papel que a molécula miRNA-212 desempenha na diminuição do desejo de consumir a droga. “No futuro, pode ser possível desenvolver uma pequena molécula que imite ou estimule a produção do microRNA. Uma vez que entendemos o mecanismo, podemos descobrir novos alvos que teriam um efeito similar diretamente sobre o microRNA”, afirma Kenny.

1 - Troca de informações
Produzidos pelas células nervosas, os neurotransmissores são substâncias químicas que enviam informações a outras células do organismo. A ciência já identificou cerca de 60 neurotransmissores, sendo que cada um deles tem um efeito diferente, dependendo de onde está localizado e da forma como é ativado. A acetilcolina, investigada no estudo, é uma das principais substâncias produzidas pelos neurônios, pois está associada a diferentes funções, como memória e aprendizado.


Fonte:Correio Brasiliense.
Por:Paloma Oliveto